Men and vegetables: thinking about images.

Following images that show us the dialogue between causalities in urban scenario, we use a photograph of a fruit stand in Campinas, SP, advertising images and artwork of Giuseppe Arcimboldo. From the analysis of this imagery groups, apparently distant because of their support, intention and period, the interest of this paper is think about creative process, myth, bricoleur and visual anthropology. 

Keywords: image, myth, visual anthropology.

Author:
Magda Ribeiro
Magister en el programa de posgrado de Antropología Social en la Universidad de São Paulo, investigadora del GRAVI - Grupo de Antropología Visual de la USP y su investigación esta financiada por la FAPESP.
Marialba Maretti
Magister en el programa de posgrado de multimedios de la Universidad Estatal de Campinas (Unicamp), donde estudia temas de antropologia visual con ayuda de Fapesp, Especialista en Artes Visuales de la misma universidad.
Rodrigo Juvenal
Magister en el programa de posgrado de Artes la Universidad Estatal de Campinas (Unicamp), Especialista en Artes Visuales de la misma universidad.

e-mail: magdaribeiro@usp.br,
marialbamaretti@gmail.com, rodrigovignoli@yahoo.com.br

Recieved:
January 27th, 2010    Accepted: July 21th, 2011

Homens e vegetais: reflexões sobre o imagético.

Na busca por imagens que evidenciassem o diálogo casual entre visualidades desconexas dentro do cenário urbano, utilizamo-nos das seguintes imagens: uma fotografia de uma barraca de frutas na cidade de Campinas, SP; anúncios publicitários e imagens da obras de Giuseppe Arcimboldo. Estes conjuntos imagéticos, aparentemente distantes entre si, pelos seus suportes, épocas e intenções, serão os guias para a reflexão sobre processo criativo, mito, bricolagem e antropologia visual.

Palavras chave: imagem, mito, antropologia visual.


Autor:
Magda Ribeiro
Magister en el programa de posgrado de Antropología Social en la Universidad de São Paulo, investigadora del GRAVI - Grupo de Antropología Visual de la USP y su investigación esta financiada por la FAPESP.
Marialba Maretti
Magister en el programa de posgrado de multimedios de la Universidad Estatal de Campinas (Unicamp), donde estudia temas de antropologia visual con ayuda de Fapesp, Especialista en Artes Visuales de la misma universidad.
Rodrigo Juvenal
Magister en el programa de posgrado de Artes la Universidad Estatal de Campinas (Unicamp), Especialista en Artes Visuales de la misma universidad.

e-mail: magdaribeiro@usp.br,
marialbamaretti@gmail.com, rodrigovignoli@yahoo.com.br

Recibido: 27 de Enero 2010    Aceptado: 21 de Julio 2011





































 
 
 
 
 
 






























 
Magda Ribeiro, Marialba Maretti & Rodrigo Juvenal

Ao estudarmos as diferentes formas iconográficas através de uma perspectiva que busca entender os processos da comunicação humana, nos foi despertado o desejo de compreendê-la como uma forma de conhecer, representar, decodificar, pensar e criar. Para tanto era necessário refletir a comunicação visual para além de um processo meramente instrumentalizador, como fundadora de todo pensamento humano.

Valendo-se da relação entre Arte e Ciência e as possibilidades de interação entre produção do conhecimento e imagem, podemos pensar nas relações entre elementos imagéticos distintos. Buscamos, assim, reconhecer no conjunto das imagens discursos ou pensamentos. 

A partir destas inquietações, buscamos imagens que evidenciassem o diálogo casual entre visualidades desconexas dentro do ambiente urbano. Ao observar a primeira imagem (ver figura A), nossa atenção foi voltada para a maneira como a fruta se apresentava descolada do convencional. Esta fotografia, aparentemente banal, nos fez pensar – ou ela própria pensou? -  em quão diferentes podem ser as relações entre homens e vegetais. O que nos remeteu a outras imagens que contivessem a mesma relação.

Após uma pesquisa iconográfica optamos por três tipos diferentes de imagens - fotografia, imagem publicitária e pintura -, todas contendo uma relação estabelecida entre homens e vegetais.

A primeira imagem (figura A), que desencadeou as demais escolhas, é de uma barraca de frutas na cidade de Campinas, SP. A segunda (figura B), a de um conjunto composto por três imagens publicitárias, as quais personificam as frutas, conferindo à elas personalidade. Por sua vez, o terceiro conjunto (figura C) apresenta as obras de Giuseppe Arcimboldo, que recria rostos a partir da disposição de vegetais.

Assim, nossa leitura das imagens parte do que Floch (1986) denominou fotografia mítica:mítico significa uma construção de uma compreensão lógica do mundo, uma formação, uma articulação criadora de sentidos a partir dos materiais que os fenômenos oferecem.[...] É a fotografia que possui em si um rearranjo das figuras do mundo natural” (Floch, 1989:22).

Se entendemos o pensamento de Floch, significa que a fotografia seria uma imagem carregando mitos, entendidos não como no senso comum, ilusórios, e sim numa perspectiva antropológica, uma narrativa que expressa uma verdade intuída, isto é, percebida de maneira espontânea sem comprovação obrigatória, uma intuição compreensiva da realidade, uma maneira do homem situar-se no mundo, uma realidade vivida, repleta de emoções e de afetividade. 




 
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É necessário entender, por esta forma de atividade mental entre os primitivos, não um fenômeno intelectual ou cognitivo puro, ou quase puro, mas um fenômeno mais complexo.(...) Esta presença de outros fatores, como os sentimentos e as emoções, dá à representação coletiva um status epistemológico bastante particular, uma vez que agrega à cognição uma carga de não-racionalidade” (Oliveira, 1991:93).

Floch realça que a bricolagem é uma das características determinantes do pensamento mítico, tal como apontado por Claude Lévi-Strauss (1989), quando escreve: “o próprio do pensamento mítico é exprimir-se com o auxilio de um repertório cuja composição é heteróclitica [...] aparece, assim, como uma espécie de bricolagem intelectual” (Lévi-Strauss, 1989:38). Sendo assim, a fotografia mítica também seria uma forma de bricolagem orquestrada por um bricoleur que utiliza figuras do mundo natural, reorganizando-as de maneira a produzir um novo significado ou até mesmo uma nova utilização (ibid.:32).

Tal aproximação também já foi sugerida por Samain, ao narrar que os índios Kamayurá identificam o mito pela palavra moroneta,a qualsignifica “toda forma de explanação, antes de tudo verbal e narrativa, mas que pode ser também de ordem visual e pictória” (Samain, 1987:48).

O autor apresenta três aproximações que parecem confirmar essa similaridade, sendo elas: a) tanto a fotografia quanto o mito necessitam de um afastamento temporal e espacial para que possam existir, de modo que sempre se referem a um passado, atualizando-o; b) ambos servem de modelos capazes de regular condutas e comportamentos; c) mito e fotografia revelam a contingência da vida humana, pois, eles sempre estão à serviço de um propósito: cada vez que reproduzidos, recebem uma resignificação de acordo com o contexto sócio-cultural em que estão inseridos. Desta forma, mito e fotografia estariam próximos por meio de uma mesma ordem e necessidade ontológicas.

Até aqui utilizamos como quadro teórico autores que referem-se à fotografia e ao mito, demonstrando pontos de diálogo entre eles. Esclarecemos, todavia, que tomamos a liberdade, de estender o conceito de fotografia mítica, apresentado por Floch, às demais formas imagéticas (fotografia, imagem publicitária e pintura), de tal modo que, passaremos a denominá-la imagem mítica, como sendo aquela que através da bricolagem - igualmente como ocorre nos mitos - comunica modelos e padrões culturais a serem seguidos, utilizando elementos do mundo real, reorganizados para este fim.


 
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A imagem fotográfica

Esta imagem registrada em 2007, nas proximidades do Viaduto Miguel Vicente Cury, onde também se localiza o Terminal Central de transporte urbano, no centro da cidade de Campinas. O terminal foi originalmente idealizado para concentrar as linhas de ônibus da cidade, hoje abriga, além dos ônibus, um grande comércio com barracas de todos os tamanhos aonde pode-se encontrar desde DVD´s pirata até legumes e verduras. Esta fotografia é uma expressão do improviso de um vendedor de frutas, que utilizando-se de caixas de madeira - características do transporte de frutas - faz um balcão.

Voltando a proposta inicial do trabalho, que contivesse um recorte capaz de evidenciar o diálogo casual entre visualidades desconexas no ambiente urbano, constatamos que o fato de haver um vendedor de frutas ao lado de uma construção formam um conjunto inusitado: são pequenas formas, ora desorganizadas, ora ordenadas, e tanto as frutas quanto os tijolos estão na mesma altura. Por que não imaginar que poderiam também fazer parte de uma mesma barraca improvisada, que oferecesse produtos inusitados em um local igualmente inusitado? Ou ainda, o fato da empilhadeira e dos mamões possuírem a mesma cor, amarela, destacados frente ao cinza predominante no fundo, formando um outro conjunto, que Entler (2005) chamaria de acaso.    
      

Figura 1. Fotografia, Rodrigo V. Juvenal, 2007, Campinas – SP.

 
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No momento do disparo da câmara “a atenção do fotógrafo nunca se estende a cada elemento de seu campo visual e, por isso, há um limite para seu poder de escolha e aceitação” (Entler, 2005:282). O fotógrafo não pode controlar ou prever antes do disparo as circunstâncias inesperadas e desconhecidas que ocorrem durante o fazer da foto. Portanto, o autor realça:

(…) é importante considerar que na fotografia o acaso não surge apenas ocasionalmente, dentro de propostas estéticas que o favorecem. Ao contrário, ele está profundamente enraizado a uma dinâmica de criação que lhe é própria. Negar o acaso é recusar uma infinidade de possibilidades que o mundo põe diante da câmara”.(Entler, 2005:284).

Assim, o acaso é o “próprio cruzamento (uma coincidência) que permite o reaproveitamento das qualidades do objeto, sobre as quais o fotógrafo não tem outro mérito senão o de tê-las encontrado
” (Entler, 2005:280), como é o caso do fotógrafo ao capturar cenas do cotidiano, pois, não é capaz de controlar todos os aspectos da produção como aquele que se encontra em um estúdio, com luz apropriada, com o enquadramento pensado, o foco ajustado. Até que o acaso pode destruir seu trabalho, por exemplo, a queima de uma lâmpada, ou o riso no momento errado, como ao contrário pode fazer surgir um efeito inesperado cujo resultado é satisfatório.

Essa imagem cotidiana, aparentemente banal, não somente nos possibilitou pensar sobre o acaso, mas também nos levou a pensar sobre as diferentes formas de representação do mundo.

Então, como já descrito anteriormente, construímos um quadro de imagens que parecem desconexas, mas que possuem uma mesma característica: uma organização particular da realidade, que se tornou o fio condutor de nossa reflexão.

Nesta perspectiva, a fotografia acima apresentada à maneira de um mito, tem em si a criação de um universo paralelo, neste caso que se opõe ao comércio formal, sendo ainda uma bricolagem, já que é fruto da criatividade e da capacidade humana em usar elementos distintos para se adaptar às mais diversas situações. As caixas que outrora transportavam os mamões, agora são utilizadas para expô-los; o mercado dá lugar a rua, local de passagem dos usuários do transporte coletivo.

Por outro lado, por mais inventivo que seja o local de venda destas frutas, a questão da exposição e organização dos mamões é idêntica a qualquer supermercado ou feira livre. Mas por que em um local não convencional manter o padrão de exposição? Mais uma vez os mitos se apresentam como uma resposta, já que nada mais fazem do que narrar o processo de ordenação do mundo, isto é, lugares, objetos, comportamentos, o que nos permite concluir que a ordem é atrativa para o homem, ao contrário do caos que, na maioria das vezes, o repele. Neste sentido, as frutas expostas segundo o padrão comercial, portanto, ordenadas, buscam atrair a atenção dos possíveis compradores, ao passo que, se estivessem no caos (amassadas, desorganizadas, com cores esmaecidas, deterioradas) não seriam objeto de venda.

 
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A Imagem publicitária

Diante de infinitas possibilidades que o mundo oferece à câmara e as inúmeras alternativas de captação e divulgação de imagens, nenhum outro gênero imagético nos defronta com tanta freqüência como as imagens publicitárias. Segundo John Berger (1982), nenhuma outra sociedade na história presenciou tamanha concentração de imagens nem a densidade de suas mensagens visuais. Estamos tão acostumados com essas imagens que mal notamos seu impacto, aceitamos a totalidade do sistema de imagens publicitárias, assim como aceitamos um elemento do clima.

Roland Barthes (1986) foi, por sua vez, um dos primeiros a optar pela utilização destas imagens como campo de estudo. Para o autor, na publicidade:

O significado da imagem é com toda certeza intencional: determinados atributos do produto formam a priori os significados da mensagem publicitária, esses significados devem ser transmitidos com a maior clareza possível;[...] é certo que em publicidade esses signos são plenos, formados de maneira a favorecer sua melhor leitura: a imagem publicitária é franca ou pelo menos enfática” (Barthes, 1986:30).

Sua análise pode evidenciar como os produtos adquirem sentido quando embebidos no ambiente humano propiciado pelos meios de comunicação de massa, assim como observamos nas imagens produzidas para a Campanha do shampoo Wellapon, veiculadas no ano de 2003.

Elas mostram as cascas das frutas recortadas de maneira a reproduzir o formato do rosto humano delimitado pelo cabelo, evidenciando a finalidade do produto e sua composição.

Na formulação deste shampoo são utilizados nutrientes extraídos de frutas, fazendo uma analogia entre as características organolépticas  e os resultados obtidos com a utilização do produto. Assim, neste processo de criação publicitária, temos uma outra bricolagem, já que se retira da composição química do produto os elementos necessários para atrair e divulgá-lo.

Ou seja, se a bricolagem utiliza-se de elementos disponíveis para seus objetivos, neste caso, a publicidade também o faz, ao atribuir às frutas um novo sentido: a idéia de representação literal da fruta, que toma o lugar do cabelo.

No canto inferior direito das três imagens, observamos a frase “Novo Wellapon com ceras de frutas. Mais brilho e proteção para seus cabelos”. A menção reafirma o processo de bricolagem utilizado pelo publicitário. Esse mecanismo se faz necessário, devido ao fato da imagem ser polissêmica, isto é, pode produzir muitas significações diferentes. Desta forma, a mensagem linguística é o meio utilizado para produzir o(s) sentido(s) previsto(s) pelo publicitário (Joly, 2006:108).




 
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Figura 2. Imagem publicitária, Anuário de Propaganda n° 26, 2001.

 
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Como em uma narrativa mítica, a forma de transmissão do conteúdo é que determina a mensagem. Os anúncios publicitários são, assim como os mitos, códigos funcionando como grandes máquinas de construção de sentido. Desta forma, o sistema simbólico formado pela publicidade também organiza o comportamento das pessoas a partir das relações expressas nas imagens publicitárias.

A imagem pictural

Neste momento propomos uma reflexão acerca da série As quatro estações (1573) de Giuseppe Arcimboldo (1527-1593), pintor milanêsquefoi pioneiro na utilização de vegetais para a construção de fisionomias humanas. Não pretendemos discutir valores estéticos ou históricos desses quadros, mas a criatividade e o pensamento concreto neles empregados.

A representação das estações do ano, não era um tema novo, nem mesmo o fato de utilizar pessoas para representá-las, mas a criação de retratos através da organização de vegetais, de fato, é inovador, e curioso, assim como a Câmara de Arte e Prodígios, em Praga, onde Arcimboldo pode desenvolver seu trabalhado apoiado por Maximiliano II e, Rodolfo II, seu filho, imperadores da Bohêmia (Kriegeskorte, 2006).

Maximiliano II  faz uma descrição de cada quadro:

"A primavera:
O homem jovem e charmoso, cheio de energia representa a Primavera, cujo rosto e a gola espanhola branca foram feitos de lindas flores, sua jaqueta verde foi composta de tipos diferentes de folhas, e seu cabelo reluz com o desabrochar de milhares de flores.

O Verão:
Este perfil é construído com frutas. As uvas fizeram seus lábios, peras sua barba, maçãs suas bochechas e pepinos seu nariz, orelhas são espigas de milho [...]. Neste tipo de pintura onde as partes do corpo são trocadas por frutas, com precisão inacreditável, faz quem vê ficar atônito.

O outono:
Outono parece estar costurado por maças, melões, galhos, grupos de uvas em perfeita composição de frutas silvestres do outono. A pintura mostra um homem no outono de sua vida.

O inverno:
A tristeza sai do retrato. A máscara feia de um homem velho de cabelo arrepiado. Esta cabeça é feita de um tronco velho de árvore coberto com galhos trançados e o copado enquanto cabelo, [...], os galhos espinhosos fazem as sobrancelhas e a barba [...]. Você pode ver uma feia garganta enrugada e um limão ao seu lado" (Jarosinka, s/f).

 
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A primavera
O Verão
O outono
O inverno

Figura 3. Pintura, G. Arcimboldo, 1573 (Digitalizado de Kriegeskorte, 2006:20-21).

 
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Apesar do Renascimento e das transformações que irradiaram da Itália, Praga, como todo o Leste Europeu, continuava uma cidade envolvida pelo mistério. É essa atmosfera mística que nos permitirá associar a obra de Arcimboldo com a fotografia e a propaganda já apresentadas.

No pensamento mítico os seres animados e inanimados quando representados estão carregados de misticismo. Se a Boêmia ainda não sofre a influência das novas descobertas científicas, podemos pensar que a causalidade mística (Oliveira, 1991:103-104), típica do pensamento pré-lógico, segundo Lévy-Bruhl, se faz presente. A associação dos formatos dos vegetais com órgãos, doenças, e a própria vida não é fruto de conhecimentos científicos, mas é resultado da experiência humana, e coube à ciência lapidá-los.

Da mesma forma que para o povo Azande a morte de uma galinha após a ingestão de veneno significa bom ou mau presságio, tomar uma infusão de amor-perfeito é saudável para o músculo cardíaco, devido o fato das folhas dessa planta possuírem formato, aproximado, de coração.

A associação de formas diversas pretende reforçar a narrativa trazida por esse pensamento pré-lógico, ou seja, a bricolagem, que se dá a partir de uma organização criativa dos elementos fornecidos pela natureza em cada estação do ano. Barthes ao analisar a obra de Arcimboldo diz que “sua pintura tem um fundo de linguagem, sua imaginação é plenamente poética: não cria signos, os combina, os modifica, os desvia” (Barthes, 1986:134), exatamente como na bricolagem, não há criação, mas sim, a apropriação e a recombinação de elementos que em conjunto produzem um novo sentido.

Ainda, se o mito possibilita a reorganização do mundo em volta, a fim de explicar os movimentos naturais, temos na série apresentada a explicação do ciclo de vida do homem através da natureza. Na primavera, temos a expectativa do que há por vir, é o período das possibilidades, o da juventude; no verão, as frutas já desenvolvidas, plenas de sabor e vigor, podem ser comparadas à vida de um homem adulto, fértil; no outono, período em que as plantas começam a perder seu vigor, o entardecer da vida humana; e por fim, no inverno, período de restrições, da secura, a velhice.

A imagem através do mito (ou de seu pensamento sempre projetado)

Este boneco que vês não é um boneco comum; é algo mais; quando chega a noite ganha forças e ronda por todo a sementeria; é meu servidor... Chama-se Canancol [...].

Depois da queima do milharal se traçam nele duas diagonais para marcar o centro; se orienta o milharal do lado de Lakin (Oriente) e a entrada fica nessa direção. Terminado isto, que sempre tem que ser feito por um men (feiticeiro) se toma a cera necessária de nove colméias, o tanto justo para recobrir o Canancol, que terá um tamanho relacionado com a extensão do milharal. Depois de fabricado o boneco, lhe colocam os olhos, que são de feijões; seus dentes são milhos e suas unhas, ibes (feijões brancos); se veste com holoch (brácteas que cobrem as espigas). O Canancol estará sentado sobre nove pedaços de mandioca.



 
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brácteas que cobrem as espigas). O Canancol estará sentado sobre nove pedaços de mandioca. Cada vez que o bruxo ponha um daqueles órgãos no boneco, chamará aos quatro ventos bons e lhes rogará que sejam benévolos com (aqui se diz o nome do amo do milharal, e lhes dirá, ademais, que é o único com que conta para alimentar seus filhos.[...]

Durante a queimada e o crescimento do milharal o Canancol está coberto com palmas de guano; mas quando o fruto começa a despontar, se descobre, e conta a gente simples que o travesso ou ladrão que trate de roubar recebe pedradas mortais. É por isso que nos milharais onde há canancóis nunca se rouba nada.

O dono, ao chegar ao milharal, toma suas precauções, e antes de entrar lhe assobia três vezes, sinal combinado; devagar se aproxima do boneco e lhe tira a pedra da mão; trabalha todo o dia, e ao cair da noite, volta a colocar a pedra na mão do Canancol, e ao sair assobia de novo. Quando cai a noite, o Canancol percorre o semeado e há quem assegure que para entreter-se, assobia como o veado” (Medina, 1974:34).

Este mito de tradição Maia, que utiliza milho, mandioca e feijão – alimentos típicos desta cultura -, para construir o boneco personagem central da narrativa, ratifica nossas possiveis conclusões, já que existe nas imagens apresentadas, a fotográfica, a publicitária e a pictural, uma relação mitológica entre seres humanos e vegetais.

Haja visto que, a imagem mitológica é aquela que retrata uma organização particular de mundo, isto é, entre natureza e cultura, na mesma forma como no mito Canancol, a bricolagem torna-se parte essencial do processo, pois, utiliza-se de elementos que estão disponíveis em dada situação, os reorganiza e os resignifica dentro de determinada coletividade. 

Tais imagens aparentemente tão distantes entre si, devido aos seus suportes, épocas e intenções diferentes, apesar de utilizarem formas humanas e vegetais em sua composição, podem ser aproximadas por uma conexão não explicita, isto é, seus processos criativos, que por se construirem por meio de bricolagem, resultam em uma imagem mítica.

Assim, buscamos demonstrar que por meio da relação entre homens e vegetais nas imagens escolhidas, encontramos diferentes formas de organização da realidade. Em outras palavras, as imagens entre elas conversam, são formas que pensam.


Notas

1. Características organolépticas são aquelas referentes à percepção física do produto, ou seja, ao sabor, odor, coloração e textura.



 
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Bibliografia

Barthes, Roland.
1986 [1982]. Lo obvio y lo obtuso: imagenes, gestos, voces. Paidós. Buenos Aires.

Berger, John. 
1982. Modos de ver. Edições 70. Lisboa.

Entler, Ronaldo.
2005. Fotografia e acaso: a expressão pelos encontros e acidentes. En: O Fotográfico. Samain, Etienne (org). Editora Hucitec/Senac. São Paulo.

Floch, Jean-Marie.
1986. Les formes de l’empreinte: Brandt, Cartier-Bresson, Doisneau, Stieglitz, Strand. Pierre Fanlac. Périgueux.

Jarosińska, Dorota.
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En: www.arcimboldo.art.pl/english/index1.htm Visitado el 19 de noviembre de 2007.

Joly, Martine.
2006. Introdução à análise da imagem. Papirus. Campinas.

Kriegeskorte, Werner.
2006 [1993]. Arcimboldo. Paisagem. [s.l.].

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1989 [1966]. O Pensamento Selvagem. Zahar Ed. Rio de Janeiro.

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